a Santinha

Querido Pe. João,

Demorei mesmo para dar continuidade na narrativa! É porque chegou o ponto mais cruel da minha história de vida. 
Foto: www.nelcisgomes.jusbrasil.com.br
Depois de alguns dias da "surra" o pai chegou em casa e eu estava sozinha, e ele docilmente me chamou para conversar no quarto. Então iniciou-se assim os seus atos. Por que ele iniciou o incesto logo depois de ficar sabendo o que os filhos (meninos) tinham feito? Será que já tinha planos?  

Naquele momento eu já tinha outra visão da "brincadeira sexual" introduzida pelos irmãos, sabia que era errado, e não queria nunca mais fazer. Porém, na autoridade de pai, ele falou que ele podia. Ele até tentou criar em mim uma confiança, sendo estranhamente carinhoso, mas como eu falei para ele que era errado e que eu não queria, então ele mudou a estratégia, desenvolveu a intimidade de modo confidêncial através de chantagens e ameaças

Foi só na primeira vez que eu contestei, as outras vezes eu apenas permitia, petrificada, e ele deu continuidade porque tinha total controle, ele obteve meu silêncio por minha vergonha, inocência e as ameaças.

Ele trabalhava por conta própria, e por isto chegava em casa a hora que queria, ele sabia exatamente quando ia ficar sozinho comigo. Eu não tinha como escapar. Tinha vez que ele nem chegava de surpresa, ele combinava com a mãe que ia ficar em casa trabalhando e cuidaria de mim.

Quando íamos para o sítio ele também não perdia a oportunidade, ele ficava "cuidando" de mim e da Nicole na praia e a mãe ia lavar roupas ou fazer comida. Lembrando agora de tudo isto, posso afirmar que ele planejava tudo. Lá no sítio ele tinha mais chance de ficar sozinho e por mais tempo comigo e minha irma, pois a praia é afastada da casa, e só tem floresta ao redor. 

Foram várias vezes durante anos. Quando ele começou eu era uma menina e quando eu completei 12 anos meu corpo entrou nas mudanças da puberdade, o que intensificou o abuso. Eu aprendi a ler com 5 anos, aos 9 já tinha lido sobre as mudanças que ocorreriam no meu corpo, sobre o que é sexo, gravidez e sobre incesto. Foi num livro que está até hoje na casa da mãe, que ela comprou de vendedores na porta de casa.

Lembro-me do sofrimento de tomar conhecimento de que se os abuso não parassem eu ficaria grávida do pai ou do irmão. 

Eu rezava desde pequena, a mãe criou-nos lendo a bíblia diariamente as 18h e rezando a oração da manhã  juntos. Eu era do coral da igreja e era educada pelas freiras. Íamos para igreja sem faltar um domingo. Deus não me ouvia! Eu rezava a oração Salve Rainha, que tem um trecho que fala sobre "...  vale de lágrimas ...", implorava que tudo parasse, mas nenhuma oração ou lágrima que dirigi a Deus foram ouvidas.

Li também sobre a vida dos mártires santos, e desejei morrer, pedia que Deus me levasse logo, já não aguentava mais a pressão psicológica que me causava (na época eu não sabia dar nome ao meu sofrimento, eu só sentia, e queria que tudo acabasse, mesmo que fosse através da morte). 

Eu não tinha coragem de me suicidar, tentei com remédios, ..., mas talvez a ternura que eu recebia fora de casa, na igreja e no coral das freiras, me dava um pouco de esperança. Eu era solista, e quando cantava na igreja emocionava muitas pessoas. Eu era conhecida no bairro como a "Santinha", e isto me alegrava, era famosa e ganhava privilégios na escola e na igreja.

Teve uma única vez que eu falei para o pai que "eu havia falado para a freira e que ela mandou dizer para ele que era pecado e não deveria fazer mais ...". Lógico que ele percebeu que era mentira minha e me chantageou para que eu não falasse. Lembro que ele parou por alguns dias, mas logo retomou seus atos sem medo de que eu o denuncie, afinal ele tinha à tanto tempo o meu silêncio.
   
Nesta mesma época o meu irmão também me abusava, de modo (modo de abordagem)  diferente do pai. O meu irmão entrava escondido, de  noite no nosso quartinho, tirava minha roupa suavemente para eu não acordar. Na primeira vez que ele fez eu acordei mas fingi que continuava dormindo, ..., nem acreditei, pois eu pensava que ele também tinha entendido, como eu, a surra. E como não lhe faltava oportunidades, ele ia cada vez que os pais viajavam. Eu ficava desesperada, nervosa, ansiosa com a chegada da noite, pois já sabia o que ia acontecer. Nas vezes seguintes eu continuei fingir que estava dormindo.
Como eu consegui sobreviver? Eu já tinha o entendimento do que era errado e sofria por ter que ser submetida aos abusos. 

(intoxicada pelas recordações, continuo em breve ...)
Obrigada, abraços,
Maria

(continuei como o texto Florianópolis)

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