O preco da infancia perdida

O incesto, sendo o pior de todos os abusos sexuais descrito, é o mais destruidor e o maior gerador de trauma psicológico.
Eu vivi este abuso, vivo este trauma e anseio por alivio para todos os sofrimentos do passado, do presente e possivelmente do futuro.

Conforme Norma Emiliano (http://pensandoemfamilia.com.br/blog/serie/perdas-nina/) "... Interfere na formação de uma personalidade saudável dificultando o desenvolvimento psicológico, a autoestima e  as habilidades relacionais positivas com a família de origem, nuclear e amigos." 

A minha personalidade não é saudável. Eu sou muito agressiva, grossa mesmo, muito estressada.

Na rua eu sou intolerante aos espertinhos que furam fila, aos vendedores preguiçosos, aos motoristas de carros mal educados, ..., até já enfrentei um motorista de ônibus mentiroso e grosseiro na Itália , um gerente de loja estérico na Holanda. Se for olhar no meu "currículo" o quanto eu já respondi ah injustiças e provocações, seria capaz de escrever um blog só para relatar estes fatos.

Sou partidária dos direitos iguais, detesto qualquer tipo de preconceito (social, racial, sexual), luto no meu cotidiano contra opressão dos mais fracos, principalmente das crianças.
Quando me envolvi nas discussões, foi motivada pelo desejo de ver a justiça ser cumprida, de calar o insultador, dobrar a empáfia do preconceituoso, de descaracterizar o esperto. Foi por uma boa causa, mas eu me desgasto, me exponho ao escândalo e ao perigo.

Tenho certeza de que isto não faz parte da minha personalidade, são as consequências do incesto manifestada em minhas atitudes.
Eu sou sonhadora, romântica, apaixonada pela natureza e pela musica, e gosto acima de tudo de ajudar pessoas de todas as formas, em todos os âmbitos. Quem me conhece, trabalhou ou estudou comigo, conviveu ou convive, sabe desta minha qualidade. Entretanto, esta qualidade não é compatível com meus momentos de explosão.

Esta minha característica de intolerante está marcada também na minha forma de me relacionar com meus familiares e ate amigos. Eu já perdi alguns amigos ou futuros amigos com explosões pontuais, simplesmente porque eu não consegui assimilar a atitude da pessoa em um dado momento ou porque eu não aceito erros. Sim, mesmo eu sendo uma mortal, pecadora e passiva de erros eu simplesmente tenho dificuldades de aceitar, perdoar ou tolerar um erro (as vezes banal) ou falta de pontualidade (na palavra e nas ações). Na faculdade, mesmo com os meus 19 anos, o povo me chamava de vovozinha (não significando a vovozinha legal, mas aquela chata que não refresca com traquinagens).

O meu esposo também sofre com esta minha personalidade conturbada. Eu falo com ele sem paciência na maioria das vezes, o agrido quando estou estressada e contrariada, grito, ato que o irrita profundamente.
E agora que meu filho esta com 3 anos e fazendo muita birra (culpa minha, pois eu o enchi de mimos e foi extremamente tolerante aos seus caprichos ), eu também estou sendo agressiva com ele (quando tento corrigi-lo, aumento meu tom de voz e falo com muita dureza, na esperança de ser suficiente para ele entender que errou). Eu não o agrido fisicamente, mas meus gritos o assustam muito. Tenho muito medo de perder a medida com meu filho e o agredir como eu faço com as pessoas em geral.
Google Imagens

 "A vítima chega à vida adulta sem os benefícios da infância.  A dor pode ser perpetuada ou aliviada pelo apoio familiar" por Norma Emiliano http://pensandoemfamilia.com.br/blog/serie/perdas-nina/


Perpetuada, foi o que aconteceu com a minha dor. Como eu já falei em outros textos, eu fiquei sozinha na infância, adolescência e mesmo nos primeiros anos da fase adulta, depois dos 18 anos. O que pode ter agravado a minha falta de habilidade relacional com as pessoas. Sem os benefícios da infância, construi um mecanismo de defesa que não corresponde aos princípios normais de relações sociais e ate mesmo emocionais.

Comecei a escrever este texto para desabafar sobre os conflitos que estou vivendo com meu esposo, e ai o texto tomou outro rumo, mas na verdade o que escrevi é a base de meus problemas relacionais com a família que formei.

O preço da infância perdida é alto. As consequências do incesto podem ser perpetuadas para toda vida, podem atrapalhar e impedir que eu tenha uma vida saudável e feliz.

Eu tenho que mudar, eu tenho que vencer o incesto, mas não sei como conseguir. Meu Deus, tenha piedade de mim, console minha dor, ilumine minhas trevas,  atenda meu clamor.

Maria Flor



Comentários

  1. Queria saber como você consegue crer em deus depois disso. Tentei frequentar a igreja, só que por medo de ir para o inferno mesmo, porque sempre odiei o cristianismo, que prega a submissão, o perdão aos agressores e o sofrimento silencioso da vítima, justifica a desigualdade e todas as barbaridades, causa mortes (mulheres apanham caladas), perdoa os agressores (o crime é por motivo fútil, então fica fácil se arrepender) e manda as vítimas para o inferno (algumas se suicidam, se drogam). Sem falar que me sentia sempre culpada, porque sempre achava que ele ia me castigar por meu descontrole. Minha saúde mental piorou, desenvolvi TOC, me sentia péssima tendo que assistir a desmandos e injustiças que eu mesma tinha sofrido e ter que me calar, "me submeter à autoridade". Odeio evangélicos, pessoas como você desabafam e eles condenam,falam "tem que perdoar, senão vai para o inferno, sua ingrata, eles são seus PAIS, te deram a vida e te alimentaram, se te abusaram é porque você não foi uma boa filha". Saquei que se deus existe, é pior ainda do que se não existisse. A igreja católica então, nem se fala, o papa que protegeu pedófilos e fez as vítimas assinarem um juramento de silêncio perpétuo vai ser santo. Morro de medo de ir para o inferno, mas não consigo mais amá-lo. Acabou.

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    1. Para voce,
      Voce que escreveu este comentario, com anonimo, no dia 23 de dezembro, tao perto do Natal, eh para voce que dedico algumas palavras do meu coracao:
      Sem saber sua idade ou sexo, sem saber como foi seu sofrimento, ou por quanto tempo foste abusada(o), sem saber se foi parentes ou conhecidos, sem saber de muitos detalhes fica muito dificil tentar te ajudar, pois todos os fatores que "te construiram" formam o teu modo de ver a vida, de sentir a vida.
      Apenas eh possivel perceber que estais profundamente ferida(o), e que nao tem forcas de acredidar em coisas boas.
      Como voce pode LER, e saber o que eu vivi, aqui no Amazonas, ler uma descricao BREVE de meu sofrimento, voce tambem pode perceber que eu nao perdi a esperanca e tao pouco a FE. Eu nao vou pregar para voce, eu nao sei fazer isto, eu sei apenas sentir, entende?
      Sao tantas magoas que te sufocam e amarguram, que nem mesmo eu pude perceber como voce deve ser uma pessoa muito boa. Entretanto, nas entrelinhas de seu discurso de protesto e indignacao, percebi sua caridade e piedade para comigo, Sera que me enganei?
      Obrigada porque voce me escreveu, eu nao me sinto sozinha.
      Deixe-me desejar-te Feliz Ano Novo!

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