O suicidio e a Arvore do Bahrain

Quando eu decidi escrever finalmente o blog eu sentia ainda um medo real: o medo de receber relatos de outras pessoas vitimas de abuso sexual. O meu medo era que eu ficasse arrasada, ficasse deprimida com o sofrimento destas pessoas, meu medo era de não ter nada mais para oferecer, de deixar as pessoas ainda mais frustradas, uma vez que todas nos, VITIMAS, queremos mesmo é ter uma vida normal, longe dos traumas e das consequências dos abusos.

Então, gradativamente recebo mensagens de pessoas que sofreram assim como eu e como voce, e eu choro, choro muito, vejo que tantas outras crianças sofreram e tantas mais ainda vão sofrer abuso sexual. Entretanto, eu nao fico deprimida ou paralisada, ao contrario: eu desejo escrever, todo o que posso, sobre o quanto podemos conquistar de liberdade quando temos coragem de realmente dizer para si mesma o que ocorreu, como ocorreu, o que sentimos quando ocorreu, o que sentimos HOJE quando estamos vivendo em família ou sociedade.

Eu fiquei chocada com o seu relato, imaginei a cena, e percebi o quanto foi degradante para uma menina de 8-10 anos de idade vive tal violência, mesmo que esta violência tenha sido praticada por adolescentes, quase crianças. Meus irmãos também eram crianças, eles ainda nem haviam entrado na puberdade, tinham genitálias de criança, e mesmo assim eles acabaram comigo, acabaram com a minha autoconfiança, autoestima, eles acabaram com a minha INFÂNCIA.

Os meus irmãos foram coadjuvante neste crime, os reais autores foram meus pais, minha mãe em especial, pois ela não assumiu o seu papel de mãe, de cuidadora, de responsável, ela simplesmente entregou 2 meninas para os irmãos mais velhos cuidarem: dar banho, vestir, alimentar, fazer dormir. Minha mãe é uma negligente, preguiçosa, mentirosa, assim como a sua mãe. Perdoe-me dizer assim, perdoe-me, mas eu quero que voce enxergue o erro de sua mãe.

O fato de entender o erro da nossa mãe nos amadurece, nos fortalece, pois assim nos nos livramos da culpa que nos é imposta por elas, ELAS nos culpam, mesmo que de forma velada, silenciosa

 Hoje eu sou mãe e posso entender a dimensão, que o nosso papel de mãe, afeta na personalidade de nossos filhos. Antes eu era só uma filha, uma filha abandonada ao perigo domestico, uma filha sedenta de atenção e carinho. Eu não havia crescido, eu insistia em ser uma criança, criança vitima de abuso para que todos, em especial a minha mãe, tivesse compaixão de mim, pelo sofrimento que vivi. Foi somente quando eu fiquei gravida foi que eu vi que o papel de criança NÃO se encaixava mais em mim, havia sido expulso pelo bebezinho que estava crescendo em meu ventre. E o que restou em mim?

Restou uma mulher confusa, medrosa, querendo sua vida de antes (aquela vida na qual  eu havia enterrado o passado e acreditado que tinha a compaixão dos que sabiam da "historia" ).

Com um bebezinho no ventre eu já não controlava minhas recordações, não controlava meus sentimentos de ódio e indignação, sentimentos de injustiça e vergonha. Era mais um motivo para sofrer, o abuso sexual estava roubando até mesmo momento mais sublime da vida de uma mulher: a maternidade. Isto me derrubou mais uma vez.

Se todos soubessem das consequências que marcam as vitimas de abuso sexual, talvez os responsáveis teriam mais cuidado, protegeriam mais e os abusadores TALVEZ não executariam seus atos libidinosos.

E a dor que nos dilacera a alma, é a mesma dor que nos impulsiona a pensar no suicídio. Nos, vitimas, acreditamos que somos lixo, assim como voce descreve, nos acreditamos que não temos como ser feliz completamente, nos sofremos as consequências desta violência diariamente, e uma frustração cotidiana torna-se uma motivação para não acreditarmos em uma solução possível.

Pensar no suicídio é pensar que temos culpa neste crime. Portanto, antes de pensar no fim, vamos pensar primeiro nos reais culpados, e vamos cobrar deles as responsabilidades, e fazer exigências das quais evitarão a construção de outras vitimas. Nos, vitimas, sabemos do que estes "meninos" um dia foram capazes, e esses pais que um dia serão avôs, também poderão tentar novamente.

Nos temos que nos ajudar, voce me ajuda lendo meu blog, escrevendo para mim, eu te ajudo escrevendo minha realidade (eu tento ajudar), as instituições, ONGs, os psicólogos, assistente sociais, a mídia, a internet, a igreja, a INFORMAÇÃO, a Lei Joanna Maranhão, todos unidos em uma corrente para destruir esta erva daninha que penetra nas famílias.

Temos tanto para fazer que o suicídio torna-se uma opção inútil.

Vamos viver MENINA, vamos trabalhar contra o abuso sexual, vamos nos libertar das recordações, vamos ter coragem de enfrentar aqueles que um dia nos abusou e mostrar a mulher que nos tornamos. Eu já fiz isto, encarei meu pai, meu irmão e minha mãe. Eu falei para eles as consequências que eu sofri e ainda sofro por culpa deles, cobrei responsabilidades individuais, fiz exigências e ate ameacei de ir na justiça se acontecer novamente com outras crianças de nossa família.

Se eu me senti feliz ou realizada por ter encarado eles? Não, senti mesmo foi um vazio, uma sensação de injustiça: sofrer por anos para um dia fazer uma reunião de 45 minutos para falar de uma dor de uma vida inteira. O único lucro foi ter me sentido do lado oposto. Vou explicar: eu não estava com medo deles, era eles que estavam com medo de mim, e esta sensação valeu por todas as vezes que eu senti medo, pânico.

Isto também não me fez deixar de ter síndrome do pânico, o que é lamentável. Porem isto me fez ter força para escrever  para outras vitimas e ajuda-las.
Google Imagens
(Esta foto é da Árvore do Bahrain, também chamada de Árvore da vida. O Bahrain é um pais do Oriente Médio, um arquipélago localizado no Golfo Pérsico. O clima é árido e de temperaturas elevada no verão, e é neste ambiente que esta árvore sobrevive a mais de quatro séculos, sem disponibilidade da agua, confundido cientistas e pesquisadores. Ela vive, mesmo quando não tem a menor possibilidade, ela esta la, mesmo que não é o lugar dela, ela esta. Assim somos nos, que um dia fomos vitimas de abuso sexual)

Um forte abraço em todas as crianças que irão crescer finalmente depois de buscarem ajuda.
Maria Flor mais feliz e mais forte.

Comentários

  1. Maria, vou me dar um nome assim ficará fácil para comunicarmos. Eu sou Alice agora ta,olha por coincidência que vi a edição O ACORDAR DE UMA FLOR no Facebook, então procurando, encontrei seu blog,foi no face de uma amiga minha. Não sei exatamente de onde vc é, mas sou de Minas gerais-BELO HORIZONTE.
    Nunca soube explicar o que eu sentia em relação ao abuso, porém quando li o acordar de uma flor identifiquei todos sentimentos pensamentos e reações,chorei muito e fico muito mal cada vez em que leio qualquer reportagem sobre abuso estupro. Essa sua ultima postagem, tudo que vc descreve eu já sentir. Não da para fala tudo que eu queria, mas estou muito feliz em ter encontrado seu blog, pois até então só havia conversado sobre isso com homens e não sabia descrever para eles o que sentia, porém hoje lendo seus relatos percebo que é o que sinto.
    Olha cada vez que lembro do meu irmão fazendo aquelas coisas comigo minha alma grita e que sair do meu corpo, não sei como sobrevivi até aqui, tem um ano que estou conversando com pessoas muito especias para mim, eles me ajudam muito, acho que Deus os enviou como recompensa por tudo que passei. Queria escrever mais coisas mas não dar fico muito mal, só quero expressar que o abuso sexual e aviltante na vida de qualquer ser humano é tão profundo que encontrei esta palavra para descrever.
    Quero muito continuar falando com vc te contando minha historia

    Um grande abraço!
    Saiba que vc não esta só e que ha como melhorar, no inicio eu achava que não, porém hoje vejo que tem como, vc só precisa ter coragem,por pior que seja aceitar o que aconteceu (quando as pessoas me falavam isso eu quase morria)

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    1. Eu sou deu Manaus-Amazonas. Eu fiz uma pagina no Facebook, mas fiquei com medo que alguém que me conhecesse me achasse então abandonei-a.
      Assim, no anonimato, eu me sinto mais confortável para escrever. Minha família é publica, conquistaram com muito trabalho durante tantos anos, e acredito que todos perderiam se isto fosse revelado.
      Se voce tem algum texto, filme, livro, palestra que ajuda vitimas de abuso sexual, divulgue-os, tenta enviar para mim, anonimamente.
      Eu também estou em busca de ajuda.
      Obrigada por escrever para mim,
      Abracos,
      Maria

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  2. Aqui vou te enviar por email minha ideia, podemos criar um Facebook fictício e assim divulgaremos melhor, vou procurar saber como podemos fazer, se descunrir seu blog pelo face, tenho amigos que tem até 3 mil amigos no face
    um abraço

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    1. Eu não entendi sua ideia, mas estou disposta a entender. como eu te falei eu já tenho um facebook com o nome Maria Flor, e me inscrevi em um grupo de ajuda aos adolescentes e crianças que sofreram abusos. Neste grupo tem de tudo, tem muitas divulgações de textos de autoajuda, denuncias, noticias de violência sexual, vídeos, tem muita coisa que ate me deixa "pra baixo".
      Se voce acredita que meus textos podem ajudar mais pessoas então vamos divulga-lo, pois um dos motivos para eu estar escrevendo é ajudar os outros.
      Abc,
      Maria

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  3. Boa-tarde Maria!

    Espero que você esteja bem! Fiquei muito mal depois que comecei a ler sua historia, revivi a minha, chorei muito. Maria sinto muita falta de ter alguém para falar sobre estas coisas de preferência uma mulher, sinto falta de um abraço sabe? Até hoje só contei todas essas coisas aos meus professores, tenho uma amiga que comecei a falar, mas infelizmente não me compreendeu, falou coisas do tipo: você não pode ficar reclamando o passado o que passou passou, gostaria de abrir minha cabeça para que veja as imagens que vejo, ou que pudesse ver a dor que sinto. Maria gostaria de saber se vc esta fazendo algum tratamento para se libertar, encontre a pessoa certa e fale tudo, vai doer muito, mas com o tempo da um alivio enorme, uma sensação de leveza.

    Maria, não posso te dar um abraço pessoalmente,
    mas quero que sinta meu carinho e um abraço bem apertado.

    Alice

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    1. Atualmente eu estou apenas escrevendo no blog, e desabafando. Eu não tenho encontros com terapeutas, eu tenho um problema de logística. Aqui em Manaus tudo é muito longe, uma cidade grande com grandes problemas de transporte publico, e eu que tenho síndrome do pânico não ando sozinha, nem de ônibus nem de taxi, e também não tenho ninguém disponível para me levar ate um terapeuta. Pretendemos nos mudar para um bairro que tem consultórios médicos e escolas, assim eu poderei ir caminhando, sozinha mesmo.
      Eu recebi seu carinho, seu abraço, obrigada Alice!

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  4. Querida Flor... eu também passei por situações ruins e passei por um período bem difícil, até chegar o dia em que eu ví que precisava de ajuda, gostaria de compartilhar esse link com você e com todas se me permitir..., pois matérias assim me ajudaram muito também. http://www.jw.org/pt/publicacoes/revistas/g201404/ A matéria é essa: http://www.jw.org/pt/publicacoes/revistas/g201404/por-que-nao-desistir-da-vida/ Clica em "próximo" lá em baixo na página pra ver todo o artigo sobre o assunto... Bjos, e meu carinho de coração!!

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    1. Obrigada, estou lendo, o texto eh valioso, assim como o seu gesto de compaixao.

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