Exame de virgindade!

Havia passado uns 40 dias, depois que eu fiz a denuncia de abuso sexual para minha mãe (escrevi aqui essa parte da minha história).
A minha mãe teve tempo suficiente para pensar sobre o assunto e até mesmo para tomar alguma decisão. Eu estava longe dela, assim como ela quis. E eu estava voltando para casa, como seria daqui por diante?

Eu não consigo imaginar o que ela estava sentindo ao me esperar, foram muitos dias longe, nunca tinha acontecido, será que ela sentiu saudade? será que ela havia preparado algo para me dar boas vindas? será que ela havia tomado alguma decisão que me favorecesse?

Seja o que for, o que minha mãe planejou para me receber quando eu voltasse de viagem, ela mudou tudo depois de ouvir o desabafo da minha tia, que segurou durante todos os dias da viagem. Minha tia sempre foi muito boa com as crianças, em geral, e ela foi incapaz de gritar ou me bater em resposta ou meu mal comportamento. Foi na minha mãe que ela descarregou, e de certa forma ela foi corretíssima, a final a minha mãe era responsável por mim, pela minha educação, e era a minha mãe que deveria me corrigir.

Minha mãe estava com 38 anos na época, mãe de 8 filhos, dona de casa, esposa de um mecânico que trabalhava por conta própria e por tanto ganhava dinheiro apenas quando era chamado. As vezes, meu pai ficava semanas sem serviço e semanas esperando a boa vontade para receber o dinheiro do serviço, pois havia clientes que eram mal pagadores.

Passávamos necessidades e privações, éramos muitos para alimentar, vestir e calçar, mesmo sem ter que pagar aluguel, as despesas eram altas, ainda tinha luz e água. Eu me lembro da inflação nos preços daquela época, o povo era massacrado, a cada dia havia reajustes de preços.

Olhando por este aspecto eu consigo entender porque minha mãe foi tão covarde. Ela ficou tão apavorada só de imaginar a falta que ia fazer o dinheirinho do papai. Nos tempos de inflação ninguém conseguia ser tão caridoso ao ponto de ajudar criar 8 crianças.

Então ela achou melhor me massacrar, me punir, e o que a minha tia falou para ela (veja no texto: Praia do Futuro), aumentou mais a convicção de que EU era mesmo uma menina pervertida e safada.

Minha mãe, ao invés de me receber com um abraço, me recebeu com um pedaço de madeira para me dar outra surra, pois eu havia envergonhado-a, ela se sentiu humilhada por minha tia, e o ponto que ela mais sustentou sua raiva foi o fato de que minha tia falou que eu andava  procurando homem, mesmo sendo ainda uma criança.

E minha mãe me bateu muito, e queria arrancar de mim a verdade, ela queria saber seu eu havia tido relações sexuais com alguém lá em Fortaleza. Ela apenas me batia com raiva e me perguntava porque eu não ajudei a minha tia, porque eu estava "querendo homem". E ela não deixou este assunto entre nos duas, ela falou para todos os filhos e para o meu pai também.

Olha que crueldade desta mulher!!! Ela me expôs perante os meus opressores (o meu pai e meu irmão mais velho), ela falou para todos que eu andei atrás de homem e que ela ia me levar para um médico dizer se eu ainda era virgem ou não (não é muito fácil lembrar disto eu estou transtornada de raiva). Ela falava perante todos como se o que eu havia denunciado não existia, o que existia era apenas o meu mal comportamento na viagem e a minha safadeza de querer homens.

Google Imagens
E ela me levou a um ginecologista, levou para ele dizer se eu ainda era virgem!!!

Minha mãe me fez sofrer de ansiedade até o dia da consulta ao ginecologista, ela ficava me perguntando, me ameaçando para eu falar a verdade, e prometendo me encher de pauladas se descobri que eu não era mais virgem. Eu desejava que o dia da consulta chegasse logo, pois eu não agüentava mais o suspense. Eu sabia que eu não havia tido relações sexuais com ninguém em Fortaleza, mas eu tinha dúvidas em relação aos abusos sexuais que fui submetida, eu tinha dúvidas se durante os abusos eu havia perdido a virgindade. Afinal eu nem sabia exatamente o que era virgindade.

Eu lembro do desconforto de  ter que tirar a roupa, deitar nua (só com a bata) de pernas abertas numa sala com 2 homens, o médico e o enfermeiro, e ouvindo a minha mãe perguntar insistentemente se eu ainda era virgem. A primeira visita à um ginecologista pode ser muito traumatizante para uma menina, e da forma que foi a minha, eu nem entendo porque eu sou tão equilibrada.

Eu me lembro de um olhar que eu troquei com o médico, ele parecia querer falar comigo, me ouvir, mas ele viu que minha mãe era muito ignorante e cheia de razão, ele nem tentou. Falou que eu tinha uma infecção e que a virgindade ainda esta lá. Ele questionou a minha mãe o porque da dúvida, afinal eu ainda nem menstruava, e ela só falou da minha safadeza em Fortaleza, não falou do meu pai e do meu irmão.

Aliás, acho que naquela altura ela havia "apagado" este fato para acreditar apenas que eu era safada e que talvez eu não era vitima, mas uma sedutora.

Ate hoje me pergunto se o médico falou isso para me salvar da minha mãe. Nos anos 80, uma mãe tinha o direito de expulsar a filha de casa, de espancar, talvez matar, se não fosse mais virgem.

Eu mesma não sabia se eu era virgem, eu não sabia o que era exatamente ser virgem, nem havia completado 13 anos, mas eu sabia que quando chegasse a menstruação eu corria um sério risco de engravidar, com ou sem penetração, bastava eles me "molharem".

Comentários

  1. merda de vida.... e ainda tem gente que fala que a culpa é dessas "crianças que não apanham como antigamente".

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    1. Obrigada pelo apoio, é importante para mim, que alguém em algum lugar, acreditou em mim, validou meu sofrimento, reconhecendo a verdade do meu depoimento. Mesmo que tardio, meu agradecimento é sincero. Obrigada Mariana Fuzaro.

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